Sunday, May 6, 2007

Limpar cá, ou limpar lá? Eis a questão.

Nos últimos tempos temos vindo a ser bombardeados, ou melhor metralhados com a ideia de que somos um país de improdutivos e que ganhamos demais para o que produzimos. Há falta de melhor argumento, os pseudo grandes trabalhadores deste país, aqueles que quem os ouvir falar parecem carregar nas suas vergadas e pobres costas o imenso peso de todo o PIB deste cantinho à beira-mar plantado, defendem que "o português não quer é trabalhar", dizem eles que se podem limpar escadas e limpar o lixo no estrangeiro bem o podiam fazer no nosso país, como se o facto de atravessarmos uma fronteira fosse alterar as nossas ambições profissionais ou pessoais, ou nos desse uma predisposição particular para a execução desse tipo de trabalho.
Tenho ouvido este tipo de comentário imensas vezes, este e outros do mesmo calibre. A sensação que me fica ao ouvir este tipo de comentários é de que quem os faz das duas uma, ou pura e simplesmente não pensam ou estão a desdenhar das pessoas que tiveram de deixar as suas famílias para irem em busca de algo melhor.
É um facto que a grande maioria das pessoas que se sujeitariam a limpar o lixo num país estrangeiro muito provavelmente não o fariam em Portugal. No entanto como em tudo na vida existem diversos factores que logo à partida podem do meu ponto de vista justificar esse facto.
Abraham Maslow um psicólogo Norte Americano (o pai era Russo, daí o nome Maslow), que estudou a motivação do ser humano nas sociedades contemporâneas, desenvolveu uma pequena e simples teoria para explicar as razões da motivação pessoal, segundo a qual as necessidades humanas estão dispostas e organizadas em níveis hierarquizados de uma forma piramidal. esta teoria chama-se pirâmide das necessidades de Maslow e reza qualquer coisa deste género: na base da pirâmide temos as necessidades fisiológicas, depois, as necessidades de segurança, seguem-se as necessidades sociais e finalmente no topo da pirâmide as necessidades de auto-estima (não, não me estou a querer armar em intelectual, estudei isto numa cadeira este ano e achei super interessante, ok, a parte das necessidades fisiológicas era desnecessária...).
Ufa, já podem respirar desta minha tortuosa divagação académica.
O porquê de as mesmas pessoas que se recusam a fazer determinados trabalhos cá, aceitarem de bom grado fazê-los no estrangeiro é o facto de neste país, se trabalharmos como limpa chaminés por exemplo, nos garantir apenas a base da pirâmide, ou seja, as necessidade fisiológicas. Todas as outras são como que esquecidas quer pelas entidades patronais, quer pelos sucessivos governos que encaram os empregados das profissões consideradas mais baixas quase como sub-humanos, que não merecem sequer um olhar da sua parte, mas o pior na minha opinião é a população em geral também as esquecer. Todos nós enquanto seres pensantes já devíamos ter percebido que todos os seres humanos têm necessidades que são básicas e inerentes à sua condição de homens. Todos os seres humanos têm o direito ao respeito social e à auto-estima e não é preciso conhecer uma teoria desenvolvida em meados do século passado por um qualquer psicólogo.
O que é para mim mais grave é que qualquer licenciado na área da gestão estudou e conhece esta teoria mas quando chega ao mercado de trabalho opta por ignorá-la.
Uma sociedade civilizada, respeita todas as profissões, uma sociedade civilizada tem consideração por todas as classes sociais, por todas as pessoas, sejam elas ricas ou pobres, doutores ou analfabetos.
Com isto quero dizer que uma pessoa que retire os contentores do lixo numa cidade do norte da Europa, por exemplo, não só vê reconhecida a utilidade do seu trabalho através de um ordenado razoável, mas acima de tudo é encarada pelo resto da sociedade como um ou uma "igual", com direitos e deveres tal qual os dos outros.
Infelizmente, se pusermos a mão na consciência vemos que na realidade não é isso que se passa em Portugal (já repararam na diferença de tratamento quando estamos numa fila de um qualquer serviço público ou privado e à nossa frente está uma pessoa de uma classe social aparentemente baixa e um Sr. de fato e gravata?), se ainda não repararam tentem de futuro reparar, infelizmente vão ter muitas oportunidades de o fazer.
Esta diferença de atitudes é visivel em coisas tão simples, como por exemplo, quando falamos de alguém que é varredor de ruas por vezes nem nos dignamos a dizer o nome da pessoa, referimos-nos à pessoa como o varredor do lixo.
Se vamos para o estrangeiro executar este tipo de trabalhos vamos em busca de melhores condições de vida, de um maior respeito, maior estabilidade e maior reconhecimento que a sociedade em Portugal ainda não consegue proporcionar. É natural que nestas condições se faça lá fora o que muitas vezes não se quer fazer cá dentro.
Vamos para fora em busca de sermos reconhecidos pelo que valemos enquanto seres humanos e não pela profissão ou pelo dinheiro que temos, vamos à procura do respeito que podemos e devemos ter enquanto pessoas. Esperamos que pelo menos lá fora e apesar da dificuldade que os estrangeiros têm com a nossa língua, sermos conhecidos pelos nossos nomes...

Até um próximo "post"
Beijos e abraços

Mário Lima

1 comment:

Anonymous said...

Grande Mário! Este teu amigo estava "em pulgas" para estrear os meus comentários aos teus posts. E já que ainda não encontrei disponibilidade para criar um blog, aproveito para complementar o teu quadro com algumas pinceladas toscas inspirado no país de improdutivos, a cultura do Patrão, o Yuri corta-relva e o português-lá-fora:

Antes de mais fico feliz por redescobrir que os valores do puto-Mário com quem joguei à bola e andei à murraça são essencialmente os que encontro escritos hoje, com o amadurecimento "vintage" próprio da (avançada) idade. :-D

Infelizmente vivemos hoje efectivamente num país atrasado, com a bipolaridade de um interior rural deprimido em que desenvolvimento social = cafés snack-bar + prostitutas brasileiras + tony carreira e um neo-liberalismo de pequenos empresários (restaurantes, cafés, pequeno comércio) com o preconceito do lucro rápido e a ausência dos valores da tua Prâmide de Maslow: o RESPEITO pelas pessoas.

Tenho-me lembrado frequentemente de uma professora de história medíocre, do 12º ano, que me irrita frequentemente com a memória de um ensinamento: "Meninos, COITADOS que tanto têm que estudar. Lembrem-se que isto só custa até acabarem o curso.. depois encontram O vosso emprego e já NÃO têm as chatices próprias do estudar e APRENDER.."

Obviamente que o engano social das falsas expectativas e a doutrina do facilitismo foi próprio do tempo das vacas gordas. Os meninos tiram os cursos, são promovidos a doutores, o pai-estado dá um emprego e acabam as chatices.

Sou hoje um optimista porque acredito na mudança e estou confiante que o "sangue novo" está a mudar as mentalidades.

Despeço-me com um abraço e deixo um eco do teu post:

"Uma sociedade civilizada, respeita todas as profissões, uma sociedade civilizada tem consideração por todas as classes sociais, por todas as pessoas, sejam elas ricas ou pobres, doutores ou analfabetos."